Foi
recentemente revelado um relatório americano sobre Portugal, que se tem mantido
em segredo até à data. Nesse mesmo relatório Portugal é apontado como “O país
que compra brinquedos caros e inúteis” por “orgulho”. Esse relatório tinha sido
divulgado por um conhecido jornal na sua versão online, mas foi recentemente
apagado (vamos lá saber porquê). E foi-nos agora revelado pelo famoso site
Wikileaks.
Sabia que o ministério da defesa está isento de concursos
públicos? Livre para fazer as suas compras milionárias a quem der mais luvas? E
não a quem faz o preço mais justo? Tudo para salvaguardar o secretismo das
operações do ministério?
O resultado é o que se tem visto. As compras mais escandalosas,
menos transparente e mais megalómanas do estado, têm tido origem neste
ministério. O caso dos submarinos, dos Pandur, dos torpedos, dos helicópteros,
etc etc etc, a lista é interminável, muitos deles em investigação. Outros já
provados na fonte estrangeira que houve luvas, mas em Portugal nada se faz.
Mais uma vez o oportunismo dita a lei que por decisão deles, os
beneficia a eles e lesa o interesse nacional. O concurso público é uma das
regras básicas, para travar alguma corrupção mas os que nos desgovernam não
gostam dessas regras?
GASTAR DINHEIRO IMPRUDENTEMENTE
O importante é fazer
muitas compras e de muitos milhões mesmo que inúteis, servirão essas compras
para fazer entrar dinheiro em partidos e em contas privadas dos envolvido?
Compram inutilidades, sucata, usados, avariados, e até brinquedos para os quais
não possuímos dinheiro para o combustível, para a manutenção nem recursos
humanos técnicos.
Em Portugal poucos sabem, mas quem negoceia com os nossos (des)governantes,
sabe algumas coisas que todos deveríamos saber.
O Wikileaks revelou um relatório confidencial que desmascara
algumas tramóias do Ministério da Defesa. Retirando algumas imprecisões, ficam
algumas revelações.
WASHINGTON ARRASA NEGÓCIOS DO MINISTÉRIO DA DEFESA
Relatório confidencial:
O embaixador americano
em Lisboa escreveu uma apreciação implacável sobre os submarinos, as fragatas e
os tanques em que Portugal gastou milhões. O pequeno parágrafo, a meio do
telegrama de seis páginas, resume a coisa assim:
“No que diz respeito a contratos de compras militares, as
vontades e ações do Ministério da Defesa parecem ser guiadas pela pressão dos
seus pares e pelo desejo de ter brinquedos caros. O Ministério compra armamento
por uma questão de orgulho, não importa se é útil ou não. Os exemplos mais
óbvios são os seus dois submarinos e 39 caças de combate (apenas 12 em
condições de voar).”
O tom não varia muito nos outros parágrafos. O que varia é o
nível do detalhe. Cruel e despojado, mas também comprometido com interesses
directos americanos e contendo erros factuais, o telegrama enviado em 2009 para
Washington pelo então embaixador dos EUA em Lisboa, Thomas Stephenson, não
deveria ter chegado às mãos de um estrangeiro. Tem a classificação de NOFORN, “no
foreigners”. Talvez por isso seja tão declaradamente depreciativo para
Portugal, para as altas chefias militares e para os últimos governos que têm
estado no poder.
O telegrama (em boa verdade, um relatório) analisa o que se
passa dentro do Ministério, tentando explicar porque é que as coisas, na
perspectiva americana, correm tão mal. O título diz tudo: “O que há de
errado no Ministério da Defesa português?”
Embaixador dos EUA em Lisboa de Novembro de 2007 até 2009,
depois de uma longa carreira como empresário em Silicon Valley, Stephenson
escreve:
“Portugal sofre de um complexo de inferioridade e da percepção
de ser económica, política e militarmente mais fraco do que os seus aliados.”
Na tese americana, o gosto pelos “brinquedos caros” tem a ver
com isso. Stephenson aponta o caso dos submarinos que custaram mil milhões de
euros e que, segundo ele, não seriam precisos: “Com 800 quilómetros
de costa e dois arquipélagos distantes para defender, os dois submarinos
alemães comprados em 2005 não são o investimento mais sensato. Os submarinos
não têm uma missão formal atribuída e faltam-lhes os meios para fazer
patrulhas sem objectivo. Portugal comprou os submarinos mas não
encomendou sistemas de mísseis, o que significa que não terão capacidade de ataque
mesmo que tenham uma missão.”
Fazendo eco da polémica discussão pública sobre o assunto, o
embaixador toma partido mas demonstra algum desconhecimento. Com uma área
marítima 20 vezes maior do que o seu território terrestre, há muito que a
doutrina militar portuguesa prevê uma missão formal para os submarinos. Além
disso, estes estão equipados com torpedos, minas e um sistema de mísseis
Harpoon (ironicamente, fabricados nos EUA).
Mas o telegrama vai mais longe. O dinheiro gasto nos submarinos
falta noutros lados.“Portugal tem poucos navios-patrulha operacionais para
defesa do litoral e para dar conta do narcotráfico, imigração e pesca
ilegais.” E avança, quanto à Força Aérea: “Portugal tem alguns caças F-16
antigos, mas apenas um C-130 em condições de transportar militares e
equipamento.”
O país tem de facto um “excesso” de caças (39, dos quais nove
estão para venda), todos comprados aos EUA mas, ao contrário, possui seis e não
apenas um C-130. O embaixador aborda depois o delicado tema das compras,
considerando que a opção portuguesa de “comprar europeu”(em detrimento dos
equipamentos americanos) lhe é frequentemente imposta pelos seus parceiros da
União. Reportando ao caso das fragatas holandesas adquiridas em 2006 por
decisão do então ministro da Defesa, Luís Amado, em detrimento das americanas
Oliver Hazard Perry, que haviam sido escolhidas por Paulo Portas, Stephenson
diz que Portugal o fez “por pressão dos Estados europeus”.
“O Ministério da Defesa optou por gastar mais de 300
milhões de euros em fragatas holandesas usadas. As americanas teriam
exigido apenas cerca de 100 milhões de euros na sua modernização e
apoio logístico”, escreve o diplomata, acusando de falta de credibilidade o
“estudo” que serviu de base à decisão, pois comparava “as fragatas americanas
usadas com fragatas holandesas novas, sendo que estas tinham mais de 15 anos”.
Na realidade, as Perry tinham mais 20-25 anos do que as
holandesas e, nunca foi feita uma estimativa do seu custo de modernização “por
ser uma verdadeira dor de cabeça a sua eventual sustentação”. As holandesas
custaram 248 milhões.
Stephenson acrescenta que o mesmo tipo de situação (que chama de
“contabilidade curiosa”) ocorreu com os helicópteros-patrulha, “uma
necessidade crítica” para Portugal. Mais uma vez, os Sikorsky americanos foram
preteridos em favor dos EH-101 europeus, mais baratos, mas apenas porque
“as peças sobresselentes e a manutenção não foram incluídas na proposta
europeia. Semanas depois de entrarem ao serviço, os EH-101 ficaram parados por
falta de peças. Os velhos Pumas com 20 anos que os EH-101 deviam substituir
tiveram de voltar a voar”.
O embaixador foi certeiro. Decididos ainda no tempo de Rui Pena,
o último ministro da Defesa de António Guterres, estes helicópteros foram
adquiridos sem um efectivo contrato de manutenção. Já o mesmo não se pode dizer
relativamente à compra à Holanda de 36 tanques Leopard A6. “Os tanques são
bons, mas Portugal não tem doutrina operacional, nem cadeia de manutenção
nem peças sobressalentes. Além disso, a aquisição representou um afastamento do
objectivo declarado do Exército em tornar-se uma força mais expedicionária,
projetável e ligeira”, escreve.
O que aconteceu depois o embaixador já não conta. O Exército
português adaptou-se aos novos “brinquedos” e ganhou competências novas como
força expedicionária. Mas três quartos dos Leopard estão hoje encostados
porque falta o dinheiro para comprar peças de substituição. E os tanques
nunca saíram do país.
LÓBI RENDEU 100 MILHÕES.
O Ministério da Defesa escolheu o gigante norte-americano
Lockheed Martin para um contrato de 100 milhões de euros, depois de o Governo
dos EUA ter feito lóbi junto do então ministro socialista Nuno Severiano
Teixeira a favor do maior grupo de aeronáutica militar. Com o título “Recent
commercial sucess stories” (“histórias recentes de sucesso comercial”), um
telegrama enviado para Washington pelo embaixador Thomas Stephenson, 2008,
relata que no início de 2007 um adjunto comercial e o chefe do departamento de
cooperação militar da embaixada americana em Lisboa encontraram-se com o
director de uma das unidades da Lockheed Martin, Michael Meyer.
No encontro, Meyer contou que estava a tentar garantir há anos
um contrato de 135 milhões de dólares (100 milhões de euros) para a reconversão
dos cinco aviões P-3C Orion que a Força Aérea Portuguesa tem para fazer
controlo marítimo, mas a mudança de governo em 2005 (do PSD para o PS) “manteve
a proposta num limbo”. Além disso, a Lockheed tinha informações que uma concorrente
espanhola, a CASA EADS, “estava a fazer trabalho de bastidores junto do
Ministério da Defesa para ganhar o concurso”.
Uma carta foi elaborada em conjunto por vários departamentos em
Lisboa e em Washington e foi assinada por Alfred Hoffman, embaixador que
antecedeu Stephenson em Lisboa, sendo enviada ao ministro a 2 de maio de 2007.
Quatro meses depois, a 6 de setembro, a Lockeed ganhou o contrato.
UM PAÍS DE GENERAIS SENTADOS
Há uma cultura nas
Forças Armadas em que quase sempre, a melhor decisão que se pode tomar é não
tomar decisões, dizem os americanos. Até para uma banda tocar é preciso
autorização de topo.
A visão da diplomacia americana sobre a gestão e o exercício do
poder dentro das Forças Armadas portuguesas é tudo menos diplomática, pelo que
se pode ler num relatório assinado pelo embaixador Thomas Stephenson e que
consta de um extenso telegrama já citado nas páginas anteriores, enviado a 5 de
Março de 2009 para Washington com o título “O que há de errado com o Ministério
da Defesa português?”
O documento inclui um diagnóstico desassombrado sobre uma
estrutura “rígida” e incapaz de tomar decisões. “A imagem de generais sentados
sem fazerem nada não é uma mera alegoria”. “Os militares têm uma cultura de
status quo em que as posições-chave são preenchidas por
carreiristas que evitam entrar em controvérsias, em vez de serem
preenchidas com pensadores criativos, promovidos pelo seu desempenho”, escreve
o embaixador americano.
“Espera o tempo suficiente, dizem-nos os oficiais, e chegarás a
coronel ou a general. Esta cultura fomenta um pensamento adverso a correr
riscos e um corpo de oficiais superiores para quem adiar uma decisão é quase
sempre a melhor decisão”.
Stephenson explica o que quer dizer com um caso: “Pedimos ao
comandante da academia militar portuguesa se a banda da academia podia actuar
numa recepção da embaixada americana. O general de duas estrelas respondeu
que isso teria de ser aprovado pelo chefe do Estado-Maior do Exército”.
O problema não está na falta de recursos humanos. “Como a maioria
dos aliados da NATO, Portugal encontra-se abaixo do padrão oficial que
determina 2% do PIB para o orçamento de defesa. Portugal está nos 1,3% e gasta
esse dinheiro de forma imprudente. Portugal tem mais generais e almirantes por
soldado do que quase todas as outras forças armadas modernas: 1 para cada 260
soldados. Em comparação, os Estados Unidos têm um rácio de 1 para
cada 871 soldados”. Mais, existem ainda “170 generais adicionais que recebem o
ordenado por inteiro enquanto se mantêm inactivos na reserva”.
QUALQUER UM PODE SER UM OBSTÁCULO
“Um corolário da regra
de que ninguém toma decisões de comando”, continua o embaixador, “é que
qualquer pessoa pode bloqueá-las. Ultrapassar estes obstáculos exigiria que um
oficial viesse a público desafiar a oposição interna, num acto raramente
valorizado”.
O cenário de bloqueio interno é agravado pela segregação que
existe entre os três ramos das forças armadas e o Estado-Maior-General. O
telegrama refere-se aos ramos (exército, marinha e força aérea) como “feudos”.
“O chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas não tem orçamento nem
autoridade sobre os chefes dos ramos, que regularmente ignoram as ordens dele”.
“A necessidade de consenso na estrutura militar”, diz
Stephenson, “inviabiliza muitas vezes os planos do Governo”, e dá um exemplo:
“Nas reuniões da comissão bilateral luso-americana, elementos do Ministério dos
Negócios Estrangeiros e do Ministério da Defesa têm implorado para que
cooperemos em programas de formação militar na África lusófona. Nós concordámos,
mas só um dos 16 projectos de cooperação trilateral propostos por nós, a pedido
do Governo português, teve a participação de Portugal (um único sargento
associado à formação do exército americano sobre desminagem na Guiné-Bissau)”.
Segundo o telegrama, há franjas no Ministério da Defesa que têm
um sentimento de posse em relação à África lusófona e não querem o envolvimento
de outros países em programas militares com as ex-colónias.
DEVEMOS FAZER O TRABALHO INTERNO DOS PORTUGUESES
A par da radiografia
negativa sobre as Forças Armadas, o telegrama estabelece linhas orientadoras de
como a diplomacia norte-americana deve abordar o Ministério da Defesa, e também
o Governo português em geral. O princípio básico, para o embaixador, passa por
incentivar Lisboa sempre que possível. “Nunca deveríamos perder uma
oportunidade para encorajar o Governo português, porque o Governo português
nunca perderá uma oportunidade de procrastinar (adiar)”.
Para isso, Stephenson acredita numa táctica de infiltração nas
estruturas internas do poder: “Devemos envolver-mo-nos cedo e frequentemente e
estarmos prontos para fazermos as consultas internas por eles dentro do
Ministério da Defesa”.
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