domingo, 12 de março de 2017

A operação Marquês é como um albergue espanhol

(Por Estátua de Sal, 11/03/2017)
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A operação Marquês continua, usando as palavras do advogado de José Sócrates, João Araújo, uma espécie de grande arraial a céu aberto. O foguetório vai intervalando e de quando em quando lá surge mais uma revoada. À frente de todos nós a Justiça vai cometendo as suas ilegalidades e, nem os cidadãos, nem a classe política se insurgem. As revistas e os jornais – mesmo os tidos como mais respeitáveis já passam a perna ao Correio da Manhã -, lá vão contando tudo e analisando todos os supostos factos e indícios e o julgamento corre na praça pública em grandes parangonas. O Ministério Público já só abre inquéritos quando a quebra do segredo de Justiça é demasiado flagrante e, repetidamente, nunca chega a conclusão alguma e ninguém é responsabilizado. Parece que os jornais são informados dos factos que relatam com todo o detalhe por entidades extraterrestres, logo fora da jurisdição da lusitana Justiça.
Cada vez há mais arguidos, e mais ainda estão na fila para serem incluídos na operação: já lá está a ex-mulher de Sócrates, agora querem o primo e, digo eu, se calhar ainda vão ser também arguidos o cão, o gato e o papagaio de Sócrates, sobretudo este porque assistiu à famigerada corrupção do dono e persiste em nada dizer quando interrogado pelo procurador Rosário. Como disse João Araújo, na Operação Marquês, cabe lá tudo que até parece um albergue espanhol.
Há uma frase que os jornais repetem até à exaustão, quando falam deste processo, que sempre me fez e continua a causar imensa estranheza. Dizem sempre: “O ministério público acredita… bla… bla …”. Ora, acreditar, é um dote que não é dado a todos. Há os ateus, os incréus que não acreditam em Deus. E também há os que acreditam em Deus, os que acreditam que vão ganhar o Euromilhões, e os que acreditam que terão 10000 virgens à sua espera às portas do além. Ora, eu que julgava que a Justiça era algo que assentava em sólidos princípios de sageza e de racionalidade fico estarrecido. Neste caso do Sócrates parece que a Justiça é mais uma questão de fé, algo religioso, do que propriamente um conjunto asserções logicamente deduzidas e justificadas. O procurador Rosário acredita, e em consequência lá vem os jornais dar grande relevo às visões com que a fé do sr. procurador o deve ter agraciado durante a noite depois dele ter acordado no meio de um pesadelo.
Ironias à parte, a Justiça não se faz – e espero que este caso não venha a ser uma excepção -, fundada numa qualquer fé  ou crença dos juízes mas nas provas que sejam carreadas para o processo e que permitam configurar crimes que estão devidamente tipificados na Lei.
Sim, porque neste caso já houve situações em demasia que me podem levar a considerar que a justiça que se venha a fazer, está à partida algo viciada. Desde o atropelo de todos os prazos processuais, desde o afastamento de um juiz, o juiz Rangel – questionado pelo Ministério Público por parcialidade a favor do arguido, enquanto o juiz Alexandre foi mantido no caso apesar de ter cometido actos do mesmo tipo que levaram ao afastamento de Rangel -, passando pela justiça em directo nas televisões, já ocorreu de tudo.
Espera-se, contudo, uma acusação para a próxima sexta-feira, dia 17. No entanto, já agora eu também tenho o direito de acreditar que ainda não vai ser dia 17. Não sei porquê os jornais amigos dos gestores do processo já começaram a preparar a opinião pública: há umas cartas rogatórias que não foram ainda respondidas, há mais uns arguidos para adicionar, há mais uns milhões para explicar, há mais uns interrogatórios para fazer, etc. Posso estar enganado mas é a sensação com que fico.
Enquanto isso, o Dr. Araújo, advogado de Sócrates deu hoje uma entrevista à tia Judite, como podem ver no link abaixo. A senhora, também tem visões nocturnas como o procurador Rosário e acredita, que o malandro do Sócrates estava em todo o lado, no Lena, no Vale do Lobo, na Venezuela, na PT, no Lava Jato e por aí fora. Lá foi avançando com as crenças, e o Dr. Araújo, que é um cínico, desarmou-a merecidamente, recorrendo à sua fina ironia. O lamentável, não é os jornalistas informarem sobre o caso, obviamente. É assumirem como verdade absoluta a narrativa que o Ministério Público vai construindo mas ainda não provou. Por exemplo, ainda não vi nenhuma notícia a dizer o seguinte: “O advogado de Sócrates acredita que dia 17 não vai haver acusação, porque o Ministério Público não tem provas para fundamentar a narrativa que tem posto a correr”.
É extraordinário. Parece que neste caso só o Procurador Rosário e a acusação é que tem o direito de ser religiosos, de acreditar e de ter visões. Quando o arguido fala, ou a defesa em seu nome, a comunicação social ouve-os com desdém, encolhe os ombros e desconfia do que é dito. Apesar de, até à data, nenhuma das visões conhecidas da acusação ter demonstrado aquilo que pretende demonstrar, ou seja, a corrupção de Sócrates. E eu espero que ele, a ser condenado, o venha a ser por não por fé ou porque os juízes acreditam, mas sim porque há factos inquestionáveis provando a correlação entre determinados benefícios específicos, politicamente outorgados a terceiros, com a recepção de também específicas vantagens patrimoniais.

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