OPINIÃO
O BES é o rio Trancão de Portugal
Um escândalo de dimensões homéricas,
turbinado por suspeitas de ilegalidades que começam no BES, passam pela
Autoridade Tributária, e acabam na secretaria de Estado dos Assuntos Fiscais.
11 de Março
de 2017
A probabilidade de o caso do apagão informático esconder mais uma trafulhice
das grandes não pára de aumentar. Quando unimos os pontos de uma série de
notícias que foram publicadas ao longo da semana, o resultado é tétrico – tudo
indica que o responsável pelo apagão seja outra vez a velha cegonha da
Comporta, que já eletrocutou vinte vezes o país.
Comecemos por esquecer todos os bancos, menos um – o caso das offshores é sobre o BES. Dos 10 mil milhões de euros em transferências ocultas
registadas entre 2011 e 2014, cerca de 8,6 mil milhões partiram do BES ou do
Novo Banco. A resolução do BES é de Agosto de 2014, e só entre 2013 e 2014 as
transferências para offshores oriundas do banco de Ricardo Salgado superaram os 5 mil milhões de euros.
Segundo o Jornal
Económico, são duas as parcelas que justificam
esses valores: transferências ordenadas pela empresa petrolífera do Estado
venezuelano (PDVSA), que foram direitinhas para o Panamá, e “financiamentos
indirectos do BES às empresas do Grupo Espírito Santo”. Lembra-se daquela
famosa estratégia de ring-fencing com a qual o Banco de Portugal iria impedir a contaminação do BES pelo GES?
Tudo indica que tenha sofrido o mesmo apagão que o sistema informático do
fisco.
Esqueça também os impostos em dívida: o problema das transferências para offshores – que na sua maioria foram transferências do BES para o Panamá – não está
no pagamento de impostos, porque é possível que nada seja devido. Está, como
alertava o presidente do Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, Paulo Ralha,
em entrevista ao i, na origem do dinheiro transferido. Pode não ter havido fuga aos impostos,
mas tudo indica que houve fuga premeditada à atenção das autoridades
portuguesas numa altura em que o GES já estava pelas ruas da amargura. O apagão
não aconteceu porque alguém tropeçou acidentalmente na ficha, mas porque alguém
desligou intencionalmente o interruptor. É Paulo Ralha quem o diz: “Há um erro
grosseiro e não me parece que se deva apenas a um programa informático.”
Juntemos a isto uma terceira notícia: a entrevista que Carlos Costa deu esta
semana ao PÚBLICO,
para responder ao documentário da SIC Assalto ao Castelo. Em que consistiu a
defesa do governador? Nisto: afirmar que o BES não caiu porque o Banco de
Portugal estivesse distraído, mas porque alguém começou a desviar dinheiro do
banco aos magotes. “Tudo foi feito para que o GES não arrastasse o BES, para
evitar o contágio. E não foi pela via do contágio que o problema aconteceu”,
garantiu Carlos Costa. “O que foi determinante foram as operações que se
revelaram no final do segundo trimestre de 2014. Não foi senão mão humana que
fez com que o BES, de um momento para o outro e surpreendendo todos (incluindo
quadros do banco), apresentasse uma perda de uma dimensão que jamais poderíamos
antecipar.”
Em resumo, temos notícias que dão contas da saída de milhares de milhões de
euros do BES para offshores em 2013 e 2014. Temos um governador do Banco de Portugal a dizer que na
primeira metade de 2014 o banco ficou subitamente descapitalizado. E temos um
funcionário do fisco a garantir que, para justificar o apagão, se inclina
“muito mais para a tese do erro humano”. Unindo estes pontos o que dá? Mais um
escândalo de dimensões homéricas, turbinado por suspeitas de ilegalidades que
começam no BES, passam pela Autoridade Tributária, e acabam na secretaria de
Estado dos Assuntos Fiscais. Vem aí borrasca da grossa.
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