O governador que não governa nem se deixa governar
(Nicolau Santos, in Expresso Diário, 10/03/2017)
Há uma batalha em curso entre o Governo e o governador do Banco de Portugal. A direita clama que o Executivo está a colocar em causa a independência de Carlos Costa. Não se lembrou disso quando decidiu reconduzir o governador a escassos meses das eleições legislativas de 4 de Outubro de 2015 – porque a independência de Carlos Costa foi a de fazer todos os favores que davam jeito político ao governo de Pedro Passos Coelho.
O atual Governo não gosta do governador? Não, não gosta. Se pudesse substituía-o? Substituía. Está a fazer-lhe um cerco? Está. Mas as boas perguntas não são essas – ou não são só essas. A única boa pergunta é saber se Carlos Costa efetuou um bom trabalho como supervisor do sistema financeiro no tempo que já leva à frente do Banco de Portugal. E tendo assistido à resolução do terceiro e do sétimo maiores bancos do sistema e às inúmeras fragilidades que o sector financeiro português continua a apresentar, a resposta só pode ser uma: não, Carlos Costa não fez e continua a não fazer um bom trabalho à frente do Banco de Portugal.
O que Carlos Costa fez no caso BES foi adiar a sua resolução para não macular a saída limpa de Portugal do programa de ajustamento, porque esse era um trunfo político para a direita. Depois, já após a implosão do Novo Banco, o governador mudou radicalmente de estratégia: de uma venda a três anos mudou para uma venda o mais rápido possível para não contaminar as eleições legislativas de 5 de Outubro de 2015. Não o conseguiu fazer mas essa mudança de estratégia (que se prova agora, com toda a evidência, que estava completamente errada) custou-lhe a demissão de Vítor Bento e a escolha de um novo presidente, Stock da Cunha, que também partiu sem ter concretizado a venda. Finalmente, também no caso Banif, o governador empurrou o mais possível com a barriga para evitar mais uma vez que algo pudesse prejudicar a direita nas eleições de 2015 – e em Dezembro teve, aparentemente muito surpreendido, de proceder à resolução do banco.
Não, eu não confundo os polícias com os ladrões. Mas no caso do Banif, o Estado português detinha mais de 98% do capital, o Banco de Portugal tinha representantes no conselho de administração, mas mesmo assim assistiu ao envio de oito projetos de reestruturação chumbados por Bruxelas sem que tomasse decisões para evitar aquilo que veio a acontecer. No caso Banif, o Banco de Portugal é conivente com a resolução do banco.
Não se pode, pois, invocar a independência deste governador. Há muito que Carlos Costa não é independente. Não foi independente do calendário político e ideológico do centro-direita, não foi independente dos banqueiros e não foi nem é independente das decisões BCE.
Ao aceitar a resolução do BES, quando já tinha afastado (tarde e a más horas) Ricardo Salgado e a família Espírito Santo e nomeado um presidente da sua confiança, o mínimo que seria exigível é que Carlos Costa se opusesse frontalmente às imposições de Frankfurt e Bruxelas sobre o destino do banco. Não o fez – e com isso causou um enorme prejuízo à instituição e à economia portuguesa. Além do mais, a sua decisão posterior de transferir cinco emissões obrigacionista do Novo Banco para o BES mau não só lesou gravemente os detentores dessas emissões, como atingiu profundamente a imagem do país, porque o que estava em causa eram investidores institucionais internacionais, que obviamente passaram a olhar de forma muito mais desconfiada para o mercado português. A falta de investimento estrangeiro em Portugal resulta muito mais deste episódio do que por aquilo que a direita passa o tempo a propalar, o facto do país ter um governo do PS suportado por BE e PCP.
Com Carlos Costa à frente, ficou provado que o Banco de Portugal só pode ser supervisor (e já é muito). Não pode ser ele a decidir sozinho sobre a resolução de bancos, que depois são outros que têm de pagar; e não pode ser ele a vender bancos de transição, porque não o sabe fazer. O novo modelo de supervisão para o sistema financeiro apresentado pelo ministro das Finanças, Mário Centeno, visa resolver precisamente essas duas ululantes lacunas, que o Banco de Portugal provou á saciedade não ser capaz de prover.
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