Na semana em que acaba o último prazo dado pela procuradora-geral da República para a investigação a Sócrates terminar, mais de três anos após ter começado, o PÚBLICO recorda as figuras constituídas arguidas no processo, sintetiza as ligações entre elas e os crimes em causa para cada uma. E deixa-lhe ainda as respostas a questões centrais no processo que permitem perceber como tudo começou neste caso e como poderá vir a acabar.
Os nomes, os crimes e as medidas de coacção
José Sócrates
Ex-primeiro-ministro
O ex-primeiro ministro é a figura central deste inquérito. O Ministério Público (MP) imputa-lhe crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva. A investigação gira toda à volta dos cerca de 23 milhões de euros que foram reunidos, na Suíça, pelo seu amigo de longa data, Carlos Santos Silva, que o MP acredita ser um testa-de-ferro do antigo governante, que usou parte destas verbas. Terão sido fruto de “luvas” pagas por três partes: o grupo Lena, os accionistas do empreendimento de Vale de Lobo e o Grupo Espírito Santo.
Carlos Santos Silva
Empresário
Engenheiro e amigo de longa data de Sócrates, o empresário funcionava, na tese do MP, como uma figura de fachada do ex-primeiro-ministro, que controlava vários offshores nas contas das quais foram reunidos 23 milhões de euros, na Suíça. Está indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção. Esteve em prisão preventiva entre Novembro de 2014 e 26 de Maio do ano seguinte.
Joaquim Barroca Rodrigues
Ex-vice-presidente do grupo Lena
O vice-presidente do grupo Lena é considerado um dos corruptores activos do ex-primeiro-ministro Sócrates. Pelas suas contas passaram vários milhões de euros que foram parar às contas de Carlos Santos Silva. Só uma parte, perto de três milhões, terá sido contrapartida pela intervenção de Sócrates, enquanto responsável político, no desenvolvimento dos negócios do grupo, nomeadamente a construção de casas pré-fabricadas na Venezuela e as obras da Parque Escolar. Esteve em prisão preventiva e foi obrigado a pagar uma caução de 400 mil euros.
Gonçalo Ferreira
Advogado
O advogado Gonçalo Ferreira é um dos colaboradores mais próximos de Carlos Santos Silva, para quem prestaria serviços e em nome de quem assumia posições em algumas sociedades. Num cofre em seu nome foram encontrados 200 mil euros em notas, que ambos assumiram serem do advogado. Está indiciado por fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
João Perna
Ex-motorista de José Sócrates
O antigo motorista de José Sócrates terá sido usado por este para intermediar entregas de dinheiro em numerário entre o ex-primeiro-ministro e o seu amigo de longa data, Carlos Santos Silva. Está indiciado por fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e detenção de arma proibida. Esteve preso preventivamente.
Armando Vara
Ex-ministro
O ex-ministro socialista foi também administrador da Caixa Geral de Depósitos, sendo nessa qualidade que está indiciado por corrupção passiva. O MP sustenta que terá recebido um milhão de euros para favorecer o empreendimento de Vale de Lobo nas condições de um empréstimo de 194 milhões de euros, que permitiu a um grupo de investidores adquirir o resort. Também está indiciado por fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Paulo Lalanda e Castro
Ex-administrador da farmacêutica Octapharma
O antigo administrador da farmacêutica Octapharma, que celebrou no início de 2013 um contrato de prestação de serviços com Sócrates, que renderia 12.500 euros mensais ao ex-governante, terá usado outras empresas que detinha em Portugal para transferir mais 12.500 euros por mês para Sócrates. Um esquema que envolveria Carlos Santos Silva, o financiador dessa verba, que tinha como fachada uma outra alegada prestação de serviços de Sócrates, que seria fictícia. Indiciado por fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Inês Pontes do Rosário
Companheira de Carlos Santos Silva
A engenheira que vive maritalmente com Carlos Santos Silva colaboraria com este nas entregas de dinheiro vivo a José Sócrates, essencialmente quando o companheiro estava fora do país. O MP descreve vários episódios destes, entendendo que, dessa forma, a engenheira ajudou a ocultar a origem dos fundos. Indiciada por branqueamento de capitais e fraude fiscal.
Diogo Gaspar Ferreira
Presidente do grupo que gere o empreendimento de Vale do Lobo
O presidente do grupo que gere o empreendimento de Vale do Lobo, no Algarve, foi quem liderou em 2006 as negociações para adquirir o resort e terá sido a seu pedido que um cidadão holandês que comprou ali um lote de terreno transferiu dois milhões de euros para uma conta controlada por Joaquim Barroca, de onde terá saído um milhão para Armando Vara e outro para Carlos Santos Silva. O objectivo seria pagar-lhes uma contrapartida para favorecerem Vale do Lobo nas condições de obtenção de um empréstimo avultado na Caixa Geral de Depósitos. Indiciado por corrupção activa, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
Oceano Clube
Empresa que integra o empreendimento de Vale do Lobo e a quem é imputado o crime de fraude fiscal qualificada.
Rui Mão de Ferro
Empresário
Sócio de Carlos Santos Silva em várias empresas. Suspeita-se de que seria um dos testas-de-ferro do amigo de Sócrates, surgindo associado a vários negócios e à compra de grandes quantidades do livro com a tese de Sócrates sobre a tortura nas democracias.
Bárbara Vara
Filha de Armando Vara
A filha mais velha de Armando Vara está indiciada por fraude fiscal e branqueamento de capitais porque foi a contas que a tinham como beneficiária que chegaram mais de dois milhões de euros, através de uma intrincada rede de offshores. Diz que o pai lhe pediu para abrir as contas na Suíça e aceitou, não sabendo nada sobre as verbas que lá foram parar.
A filha mais velha de Armando Vara está indiciada por fraude fiscal e branqueamento de capitais porque foi a contas que a tinham como beneficiária que chegaram mais de dois milhões de euros, através de uma intrincada rede de offshores. Diz que o pai lhe pediu para abrir as contas na Suíça e aceitou, não sabendo nada sobre as verbas que lá foram parar.
Hélder Bataglia
Empresário administrador da ESCOM
O empresário luso-angolano é fundador da Escom, uma empresa cuja maioria do capital era do Grupo Espírito Santo. Bataglia controlava várias sociedades offshore que terão transferido 12 milhões de euros no total para a contas de Joaquim Barroca, verbas que entretanto chegaram às contas Carlos Santos Silva. Indiciado por corrupção activa, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada.
O empresário luso-angolano é fundador da Escom, uma empresa cuja maioria do capital era do Grupo Espírito Santo. Bataglia controlava várias sociedades offshore que terão transferido 12 milhões de euros no total para a contas de Joaquim Barroca, verbas que entretanto chegaram às contas Carlos Santos Silva. Indiciado por corrupção activa, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada.
Sofia Fava
Ex-mulher de Sócrates
A ex-mulher de José Sócrates, e mãe dos seus dois filhos, é engenheira civil e um das principais beneficiárias do dinheiro que estava formalmente nas mãos de Carlos Santos Silva. Tal permitiu a Sofia Fava comprar e reconstruir uma casa em Lisboa, onde Sócrates esteve alojado enquanto esteve em prisão domiciliária, por cerca de 800 mil euros e adquirir um monte no Alentejo por 760 mil euros. Uma empresa de Santos Silva financiou as despesas de Fava quando viveu em Paris enquanto um dos filhos lá estudava e que ultrapassaram os 54 mil euros. Está indiciada por fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
A ex-mulher de José Sócrates, e mãe dos seus dois filhos, é engenheira civil e um das principais beneficiárias do dinheiro que estava formalmente nas mãos de Carlos Santos Silva. Tal permitiu a Sofia Fava comprar e reconstruir uma casa em Lisboa, onde Sócrates esteve alojado enquanto esteve em prisão domiciliária, por cerca de 800 mil euros e adquirir um monte no Alentejo por 760 mil euros. Uma empresa de Santos Silva financiou as despesas de Fava quando viveu em Paris enquanto um dos filhos lá estudava e que ultrapassaram os 54 mil euros. Está indiciada por fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
Ricardo Salgado
Ex-presidente do Banco Espírito Santo
Ex-presidente do Banco Espírito Santo é um dos alegados corruptores de Sócrates, a quem terá pago, através de Bataglia, mais de uma dezena de milhões de euros com dois objectivos: o apoio de Sócrates para fazer falhar a oferta pública de aquisição que o grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO) lançou à PT, em 2006, e para aceitar a venda das participações da PT na Vivo à Telefónica e simultânea entrada da PT na Oi, aprovada no final de Julho de 2010 pela administração da operadora portuguesa. Está indiciado por corrupção, abuso de confiança, tráfico de influência, branqueamento e fraude fiscal.
Ex-presidente do Banco Espírito Santo é um dos alegados corruptores de Sócrates, a quem terá pago, através de Bataglia, mais de uma dezena de milhões de euros com dois objectivos: o apoio de Sócrates para fazer falhar a oferta pública de aquisição que o grupo Sonae (proprietário do PÚBLICO) lançou à PT, em 2006, e para aceitar a venda das participações da PT na Vivo à Telefónica e simultânea entrada da PT na Oi, aprovada no final de Julho de 2010 pela administração da operadora portuguesa. Está indiciado por corrupção, abuso de confiança, tráfico de influência, branqueamento e fraude fiscal.
Henrique Granadeiro
Ex-administrador da PT
O antigo administrador da PT recebeu entre 2007 e 2012 cerca de 24,5 milhões de euros através da Espírito Santo Enterprises, o alegado “saco azul” do grupo. O MP acredita que se tratam de “luvas” pagas pelo então presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, para que o gestor beneficiasse os interesses do grupo em dois momentos: opondo-se à oferta pública de aquisição que o grupo Sonae lançou à PT, em 2006; e possibilitando a venda das participações da PT na Vivo à Telefónica e simultânea entrada da PT na Oi. Está indiciado por fraude fiscal, corrupção passiva e branqueamento.
O antigo administrador da PT recebeu entre 2007 e 2012 cerca de 24,5 milhões de euros através da Espírito Santo Enterprises, o alegado “saco azul” do grupo. O MP acredita que se tratam de “luvas” pagas pelo então presidente do Banco Espírito Santo, Ricardo Salgado, para que o gestor beneficiasse os interesses do grupo em dois momentos: opondo-se à oferta pública de aquisição que o grupo Sonae lançou à PT, em 2006; e possibilitando a venda das participações da PT na Vivo à Telefónica e simultânea entrada da PT na Oi. Está indiciado por fraude fiscal, corrupção passiva e branqueamento.
Zeinal Bava
Ex-administrador da PT
O ex-administrador da PT recebeu entre 2007 e 2011 cerca de 25,2 milhões de euros através da Espírito Santo Enterprises. O MP acredita que se tratam de “luvas” pagas por Ricardo Salgado, para que o gestor beneficiasse os interesses do Grupo Espírito Santo. Está indiciado por fraude fiscal, corrupção passiva e branqueamento.
O ex-administrador da PT recebeu entre 2007 e 2011 cerca de 25,2 milhões de euros através da Espírito Santo Enterprises. O MP acredita que se tratam de “luvas” pagas por Ricardo Salgado, para que o gestor beneficiasse os interesses do Grupo Espírito Santo. Está indiciado por fraude fiscal, corrupção passiva e branqueamento.
Joaquim Paulo Conceição
Presidente da holding do grupo Lena
O presidente da holding do grupo Lena, Joaquim Paulo Conceição, foi constituído arguido em Fevereiro passado, depois de ter prestado declarações duas vezes como testemunha. Não são conhecidos os crimes imputados ao gestor, mas nos interrogatórios o mesmo foi confrontado com uma alegada simulação da venda de um terreno do grupo em Angola, conhecido como Kanhangulo, cujo sinal de oito milhões foi retido pelo grupo (e não devolvido). Para o MP, o objectivo era passar fundos para Santos Silva.
O presidente da holding do grupo Lena, Joaquim Paulo Conceição, foi constituído arguido em Fevereiro passado, depois de ter prestado declarações duas vezes como testemunha. Não são conhecidos os crimes imputados ao gestor, mas nos interrogatórios o mesmo foi confrontado com uma alegada simulação da venda de um terreno do grupo em Angola, conhecido como Kanhangulo, cujo sinal de oito milhões foi retido pelo grupo (e não devolvido). Para o MP, o objectivo era passar fundos para Santos Silva.
Cinco empresas do Grupo Lena
Lena SGPS, RENTLEI - Automóveis e Turismo SA, LENA - Engenharia e Construções SGPS, LENA - Engenharia e Construções SA
Em Junho do ano passado, o MP constitui como arguidas quatro sociedades do grupo, representadas todas por Joaquim Paulo Conceição. A XMI — Management & Investments SA, a Rentlei — Automóveis e Turismo SA, a Lena — Engenharia e Construções SGPS e a Lena — Engenharia e Construções SA, todas suspeitas de fraude fiscal qualificada, corrupção activa, tráfico de influência, branqueamento de capitais e falsificação. Já em Fevereiro deste ano, a Lena — SGPS juntou-se ao grupo de sociedades arguidas.
Em Junho do ano passado, o MP constitui como arguidas quatro sociedades do grupo, representadas todas por Joaquim Paulo Conceição. A XMI — Management & Investments SA, a Rentlei — Automóveis e Turismo SA, a Lena — Engenharia e Construções SGPS e a Lena — Engenharia e Construções SA, todas suspeitas de fraude fiscal qualificada, corrupção activa, tráfico de influência, branqueamento de capitais e falsificação. Já em Fevereiro deste ano, a Lena — SGPS juntou-se ao grupo de sociedades arguidas.
XMI - Management & Investments SA
Representada pelo presidente da holding do grupo Lena, é detida por Joaquim Barroca Rodrigues, o irmão António e Carlos Santos Silva. Segundo o Ministério Público esta sociedade terá sido criada com a finalidade de gerar facturas que servissem de fachada para justificar o pagamento de pretensas prestações de serviços a Santos Silva, montantes que seriam na realidade o pagamento de alegadas ‘luvas’ a Sócrates.
Representada pelo presidente da holding do grupo Lena, é detida por Joaquim Barroca Rodrigues, o irmão António e Carlos Santos Silva. Segundo o Ministério Público esta sociedade terá sido criada com a finalidade de gerar facturas que servissem de fachada para justificar o pagamento de pretensas prestações de serviços a Santos Silva, montantes que seriam na realidade o pagamento de alegadas ‘luvas’ a Sócrates.
Rui Horta e Costa
Administrador do resort de Vale do Lobo
Rui Horta e Costa, administrador do empreendimento turístico de Vale do Lobo e um dos accionistas do resort, é suspeito de corromper o ex-primeiro-ministro e Vara para conseguir um financiamento com condições especiais na Caixa Geral de Depósitos, banco em que Vara foi administrador. O empréstimo foi usado para comprar Vale do Lobo por 230 milhões no final de 2006. Além de corrupção activa, está indiciado por fraude fiscal, branqueamento e abuso de confiança.
Rui Horta e Costa, administrador do empreendimento turístico de Vale do Lobo e um dos accionistas do resort, é suspeito de corromper o ex-primeiro-ministro e Vara para conseguir um financiamento com condições especiais na Caixa Geral de Depósitos, banco em que Vara foi administrador. O empréstimo foi usado para comprar Vale do Lobo por 230 milhões no final de 2006. Além de corrupção activa, está indiciado por fraude fiscal, branqueamento e abuso de confiança.
João Abrantes Serra
- José Sócrates recebeu quanto?
- Se Sócrates foi o corrompido, quem foi o corruptor?
- O ex-governante é acusado exactamente de quê?
- Como é que Sócrates explica tanto dinheiro?
- E há provas mesmo?
- Há alguém ainda com medidas de coacção mais graves?
- Quem são as testemunhas-chave para o Ministério Público?
- Uma vez deduzida a acusação, o Ministério Público pode juntar factos novos?
- O que é que ainda falta?
- Por que é que demorou tanto?
- Quando é que o julgamento começa?
Sem comentários:
Enviar um comentário