Mário Tomé,
um dos comandantes da Polícia Militar em novembro de 1975, reagiu a um artigo
da Edição Especial de Aniversário da VISÃO, no qual se contavam as 24 horas
alucinantes de Ramalho Eanes naquela data marcante da História de Portugal
Reagindo a um artigo sobre o papel de Ramalho Eanes
no 25 de novembro, uma das histórias das série "24 horas alucinantes"
de diversas personalidades portuguesas, integradas no número especial de
aniversário da VISÃO, o major Mário Tomé, um dos comandantes da
Polícia Militar em novembro de 1975 e, posteriormente, deputado eleito pela
UDP, contesta, em termos vivos, a leitura oficial dos acontecimentos. Como
sempre, a História, contada pelos vencedores, pode ter mais de que uma única
versão. Republicamos o artigo sobre Eanes e a carta enviada por Mário Tomé.
Comente e diga de sua justiça!
ALUCINAÇÕES
Mário Tomé
"No dia 25 de Novembro de 1975 os
“moderados” (Grupo dos Nove e afectos) lançaram uma acção militar que provocou
a morte de três militares no ataque à PM na manhã de 26 - dois comandos e o
aspirante Albertino Bagagem.
Tal acção moderada era apoiada pelos
bombistas do General Spínola e de Alpoím Calvão e quejandos.
Uma das estórias com que há 41 anos tentam
esconder a tramóia que montaram durante seis meses, e se transformou no maior
embuste da nossa história recente, contada pelo General Ramalho Eanes e citada
pelo jornalista Filipe Luís que dela faz uma peça vivíssima, preenchida pelos
momentos cheios de “adrenalina” daquele incontornável herói do 25 de Novembro.
A estória, publicada no nº 1255 desta prestigiosa revista, intitula-se «O Dia
Mais Longo do Processo Revolucionário» e surge integrada num conjunto de casos
sob a sugestiva designação de «24 Horas Alucinantes».
O objectivo confesso do embuste foi
expurgar o 25 de Abril da sua essência revolucionária ou seja acabar com única
forma válida, no mundo moderno, de sustentar a credibilidade e a ética da
democracia representativa: a participação popular, a vitalidade do espaço
público.
Desde o verão quente de 75 que os
“moderados” perceberam não ter pedalada para a luta política aberta e
democrática e decidiram enveredar pela conspiração e pelo bombismo, forma
escolhida pelo Conselho da Revolução para destruir a antena emissora da Rádio
Renascença controlada pelos trabalhadores.
Seguiu-se o golpe militar apoiado por
praticamente todas as unidades militares e, entusiasticamente, pela Força
Aérea. Daí o “perigo” de guerra civil também não passar de uma estória do
papão, apesar de armas distribuídas pelo PS e por alguns grupos
guerrilheiristas ou fixados no cânone anti-fascista. A tropa estava já toda
alinhada e as já muito poucas unidades ligadas ao movimento popular não jogavam
esse jogo.
A esmagadora maioria dos revoltosos do 25
de Abril pensara-o como um 28 de Maio “democrático”. Mas esqueceu-se que,
rompendo os nós que seguravam a sagrada hierarquia, o MFA só sobreviveria marchando
ao som do Zeca Afonso e do Zé Mário Branco e do Fausto e do Sérgio Godinho e do
Vitorino e do Pedro Barroso…, e não das marchas militares embora tenham posto a
malta a trautear uma delas mas a pensar noutra coisa.
Os “moderados”, tendo sido incapazes de se
impor durante o PREC, quer no areópago da representação quer na ágora do povo,
sentem hoje uma pesada incomodidade: afinal, três mortos depois, mais o Padre
Max e a Maria de Lurdes assassinados em pleno dia da promulgação da
Constituição, esta emerge exactamente inspirada e marcada, na sua essência,
pela mesmíssima Rua com que eles tentaram acabar a tiro.
Ninguém, informado e de boa mente ,
acredita ainda no embuste a não ser para não pôr em causa os alicerces do
regime que abana a cauda aos Dijsselbloem que mandam na Europa, excepto ao
próprio por ter exagerado na expressão.
Os factos estão aí, dispersos por milhares
de notícias, por inúmeros relatos e declarações em que os próprios golpistas se
dizem, entredizem e desdizem.
O próprio responsável político que não
aparece na alucinação eanista, o coronel Vasco Lourenço “não sabe quantos 25 de
Novembro houve”. Eu, por mim, sei que só houve um!
Finalmente: Que
fizeram, afinal, os disciplinados e obedientes páras (11 de Março às ordens de
Spínola, 7 de Novembro a destruir a antena da Rádio Renascença às ordens do AMI
)? Ocuparam as bases da Força Aérea, sem um único tiro, sem beliscarem ninguém,
num acto de insubordinação, nada mais, para sustentar a sua exigência
exclusivamente castrense de travar as decisões imbecis do desastrado Chefe do
Estado Maior da Força Aérea exigindo a sua demissão, com a esperança, que lhe
terão assegurado fundada, de que seriam atendidos! O PCP que nos dias seguintes
se pôs logo a atacar os militares revolucionários, deu o sinal, e os “Nove”
estavam preparados mesmo sem sms . Melo Antunes apressou-se a caucionar o papel democrático do PCP, mas
esqueceu-se das outras forças de esquerda. O regime retomava a senda da
estabilidade posta em causa pelos excessos definidos pelo cânone da ala liberal
do fascismo e do republicanismo do PS, socialismo na gaveta.
Por seu lado a “poderosa PM” às 08.10 de
26 de Novembro é atacada pelos comandos de Jaime Neves porque o Comando da PM
assobiava para o lado quando, pelo telefone, alguns chefes golpistas lhe
exigiam para se apresentar em Belém. Porquê? Porque sim! Não vamos, “estamos de
prevenção rigorosa às ordens do Presidente e CEMGFA”, como aliás todas as
unidades da Região Militar!
Entretanto a investigação interessada
tem-se esquecido de perguntar qual era a forte (só podia!) guarnição empenhada
na segurança do Presidente da República com a “poderosa” e insurrecta PM a 100
metros, Calçada da Ajuda acima. Ramalho Eanes responderá decerto que se
esqueceu desse pormenor.
Conforme se sabe a “história” corrente é
escrita pelos vencedores. Neste caso os vencedores decentes estão envergonhados
– praticamente nunca comemoraram esse dia inicial da verdadeira democracia e
metem os pés pelas mãos.
A história ainda não está escrita, embora
haja quem a queira fixar. Mas não deixamos."
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