Há 28 anos um povo lutou contra os
eucaliptos. E a terra nunca mais ardeu
Em
1989 houve uma guerra no vale do Lila, em Valpaços. Centenas de pessoas
juntaram-se para destruir 200 hectares de eucaliptal, com medo que as árvores
lhes roubassem a água e trouxessem o fogo. A polícia carregou sobre a
população, mas o povo não se demoveu.
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A 31 de março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma
quinta no vale do Lila para arrancar os 200 hectares de eucalipto que a
Soporcel tinha plantado na região.
[Arquivo JN]
A polícia respondeu com uma carga à população, mas
revelou-se incapaz de travar os avanços de 800 populares sobre a propriedade.
[Arquivo JN]
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Quando a cavalaria da GNR se viu cercada, entrou em
campo o corpo de intervenção. Só aí os ânimos acalmaram.
[Arquivo JN]
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No vale do Lila não há mais de sete ou oito aldeias e
todas vivem do olival. Os eucaliptos secar-lhes-iam os terrenos e trar-lhes-iam
incêndios.
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António Morais foi o cabecilha dos protestos.
Percorrendo as aldeias depois da missa foi convencendo o povo que o lucro fácil
traria prejuízos a médio prazo.
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Hoje, o povo sente que a destruição dos eucaliptos foi
a sua salvação. E dizem que, se tivessem deixado aquela floresta avançar, não
teriam escapado aos incêndios de 2017.
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Hoje os terrenos da quinta do Ermeiro são diversos. Há
oliveiras e nogueiras, amêndoa e pinho. Em três décadas, nenhum incêndio.
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João Sousa esteve na organização dos protestos à
socapa, era presidente da freguesia da Veiga do Lila. «Dizem que somos um povo
sem educação mas afinal nós é que estávamos certos.»
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Os eucaliptos tinham sido plantados há pouco tempo,
não foi preciso usar sacholas nem enxadas. Foram arrancados pelas mãos de
homens e mulheres, canalha e velharia.
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A oliveira e o azeite sempre foram a riqueza da
região. É sobretudo disso que ainda vivem hoje as populações de Valpaços.
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Ester Oliveira viu o marido ser detido durante os
confrontos por posse de arma ilegal. «Foi o povo que o salvou por dizer que ele
não arredava pé enquanto ele não fosse libertado.»
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A população tinha recuado depois da chegada do corpo
de intervenção, mas voltara à carga para defender José Oliveira. A guerra
terminou com a sua libertação.
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Alguns dos organizadores foram levados a tribunal por
invasão de propriedade privada e condenados a pena suspensa. E todos dizem que
voltariam a repetir o crime.
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Natália Esteves organizou assembleias, bateu à porta
dos vizinhos, conseguiu convencer dezenas de agricultores que o eucalipto
traria seca e fogo.
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Dos 200 hectares de eucalipto não sobram hoje mais do
que uma dúzia de árvores junto ao casario do Ermeiro. Se alguém os quiser
plantar, o povo arranca-os.
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Maria João Sousa tinha 15 anos quando viu a revolução
chegar à sua aldeia. Diz que foi o 25 de Abril da sua gente.
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Em quase três décadas o Lila escapou ileso aos
incêndios. Hoje, todos dizem que é por se terem livrado dos eucaliptos. E
lamentam que o resto do país não lhes tenha resistido.
«Foi o nosso 25 de Abril», diz Maria
João Sousa, que tinha 15 anos quando a revolução chegou à sua terra. No dia 31
de março de 1989, a rebate do sino, 800 pessoas juntaram-se na Veiga do Lila,
uma pequena aldeia de Valpaços, e protagonizaram um dos maiores protestos
ambientais que alguma vez aconteceram em Portugal.
A acção fora concertada entre sete ou
oito povoações de um escondidíssimo vale transmontano, e depois juntaram-se
ecologistas do Porto e de Bragança à causa. Numa tarde de domingo, largaram
todos para destruir os 200 hectares de eucalipto que uma empresa de celulose
andava a plantar na quinta do Ermeiro, a maior propriedade agrícola da região.
À sua espera tinham a GNR, duas centenas
de agentes. Formavam uma primeira barreira com o objetivo de impedir o povo de
arrancar os pés das árvores, mas eram poucos para uma revolta tão grande.
A
polícia respondeu com uma carga à população, mas revelou-se incapaz de travar
os avanços de 800 populares sobre a propriedade. [Arquivo JN]
«NAQUELE DIA NINGUÉM
SENTIA MEDO. ELES ATIRAVAM TIROS PARA O AR E PARECIA QUE TÍNHAMOS UMA FORÇA
QUALQUER A FAZER-NOS AVANÇAR», LEMBRA MARIA JOÃO SOUSA.
Maria João, que nesse dia usava uma
camisola vermelha impressa com a figura do Rato Mickey, nem deu pelo polícia
que lhe agarrou no braço. «Ide para casa ver os desenhos animados», atirou-lhe,
mas a rapariga restaurou a liberdade de movimentos com um safanão: «Estava tão
convicta que não sentia medo nenhum. Naquele dia ninguém sentia medo nenhum.
Eles atiravam tiros para o ar e parecia que tínhamos uma força qualquer a
fazer-nos avançar.»
A tensão subiria de tom ao longo da
tarde. «Houve ali uma altura em que pensei que as coisas podiam correr para o
torto», diz agora António Morais, o cabecilha dos protestos. Havia agentes de Trás-os-montes
inteiros, da Régua e de Chaves, de Vila Real e Mirandela.
Mas também lá estava a imprensa, e ainda
hoje o homem acredita que foi por isso que a violência não escalou mais.
Algumas cargas, pedrada de um lado, cacetadas do outro, mas nada que
conseguisse calar um coro de homens e mulheres, canalha e velharia: «Oliveiras
sim, eucaliptos não».
«Não queríamos arder aqui todos»
A guerra tinha começado a ser preparada
um par de meses antes, quando António Morais, proprietário de vários hectares
de olival no Lila, percebeu que uma empresa subsidiária da Soporcel se
preparava para substituir 200 hectares de oliveiras por eucaliptal para a
indústria do papel. «Tinham recebido fundos perdidos do Estado para reflorestar
o vale sem sequer consultarem a população», revolta-se ainda, 28 anos depois.
«Nessa altura o ministério da
agricultura defendia com unhas e dentes a plantação de eucalipto.» Álvaro
Barreto, titular da pasta, fora anos antes presidente do conselho de
administração da Soporcel e tornaria ao cargo em 1990, pouco depois das gentes
de Valpaços lhe fazerem frente.
António
Morais foi o cabecilha dos protestos. Percorrendo as aldeias depois da missa
foi convencendo o povo que o lucro fácil trairia prejuízos a médio prazo.
«A tese dominante dos governos de Cavaco
Silva era que urgia substituir o minifúndio e a agricultura de subsistência por
monoculturas mais rentáveis, era preciso rentabilizar a floresta em grande
escala», diz António Morais. O eucalipto adivinhava-se uma solução fácil.
Crescia rápido e tinha boas margens de
lucro. Portugal, aliás, ganharia em poucos anos um papel de destaque na
indústria de celulose e os pequenos proprietários poderiam resolver muitos
problemas de insolvência abastecendo as grandes empresas com uma floresta
renovada. A teoria acabaria por vingar em todo o país, sobretudo no interior
centro e norte. Mas não em Valpaços.
«NUMA REGIÃO ONDE A ÁGUA É
TUDO MENOS ABUNDANTE, TERÍAMOS [POR CAUSA DO EUCALIPTO] PROBLEMAS DE
VIABILIDADE DAS OUTRAS CULTURAS», DIZ ANTÓNIO MORAIS.
«Comecei a ler coisas e percebi que o
eucalipto nos traria grandes problemas», continua António Morais. «Por um lado,
numa região onde a água é tudo menos abundante, teríamos grandes problemas de
viabilidade das outras culturas. Nomeadamente o olival, que sempre foi a
riqueza deste povo. E depois havia os incêndios, que eram o diabo. São árvores
altamente combustíveis e que atingem uma altura muito grande.»
Na terra quente transmontana o ano são
oito meses de inverno e quatro de inferno. O fogo, tinha ele a certeza,
chegaria com aquele arvoredo.
Uns meses antes da guerra, começou a
conversar sobre o seu medo com algumas das mais relevantes personalidades do
vale. Grandes proprietários, políticos da terra, as famílias mais reconhecidas.
«Lentamente começou a formar-se um consenso de que o lucro fácil do eucalipto
seria a médio prazo a nossa desgraça. Não queríamos deixar secar a nossa terra.
E não queríamos arder aqui todos. Tínhamos de destruir aquele eucaliptal,
custasse o que custasse.»
Anatomia da conspiração
O núcleo duro estava formado, era
constituído por dezena e meia de agricultores capazes de mobilizar o resto do
povo. «Aos domingos, íamos às aldeias e no fim da missa explicava às pessoas o
que podia acontecer à nossa terra», lembra Natália Esteves, descendente de uma
família de grandes produtores de azeite feita de repente líder de protesto
ecológico. «E também íamos de casa em casa, esclarecer quem não tinha estado
nas assembleias.»
Ao início houve renitência, a madeira
valeria sempre mais do que a azeitona, e a castanha ainda não rendia o que
rende hoje. «Mas tentámos sempre centrar a conversa no que aconteceria daí a
uns anos, dizer que os eucaliptos secariam os solos e o povo ficaria refém de
uma única cultura, que se alguma coisa corresse mal não teriam mais nada.»
João
Sousa esteve na organização dos protestos à socapa, era presidente da freguesia
da Veiga do Lila. «Dizem que somos um povo sem educação mas afinal nós é que
estávamos certos.»
O que mais assustava aquela gente, no
entanto, era o fogo. «Onde há eucalipto, tudo arde. E então o povo já não
chamava a árvore pelo nome, mas por fósforos.» A primeira batalha estava ganha:
tinham o apoio da população.
João Sousa era nessa altura presidente
da junta da Veiga do Lila. «Oficialmente não podia dizer que era contra os
eucaliptos, nem ir contra a polícia. Mas, quando falava com as pessoas,
dizia-lhes o que haviam de fazer», conta agora com uma gargalhada e sem ponta
de medo.
«VÊ, NEM UM EUCALIPTO
PLANTADO. E O NOSSO VALE HÁ MAIS DE 30 ANOS QUE NÃO ARDE», DIZ JOÃO DE SOUSA.
«Então se tínhamos o melhor azeite do
país ia dar cabo dele para enriquecer uns ricalhaços de fora?» Tem 86 anos e
uma destreza de 30, hoje estuga o passo para mostrar a zona que podia ter sido
caixa de fósforos. «Vê, nem um eucalipto plantado. E o nosso vale há mais de 30
anos que não arde. Se o povo não se tem unido hoje estávamos a viver a mesma
desgraça que vimos por esse país fora.»
Essa é aliás a conversa mais recorrente
por estes dias no vale do Lila. A tragédia florestal portuguesa dá a este povo
a impressão que eles sim, tinham razão há muitos anos, quando o governo e as
autoridades lhes diziam o contrário.
«Podem achar que somos gente do campo,
sem educação nem conhecimento, mas nós cá soubemos defender a nossa terra», diz
o velhote. «Temos chorado muito por esta gente que perdeu vidas e animais e
casas. E há uma coisa que o meu povo sabe: se temos deixado ficar os
eucaliptos, também hoje choraríamos pelos nossos.»
A guerra
Há uns dias que os combates tinham
começado. Ataques furtivos do povo, desorganizadamente, para arrancar pés de
eucalipto nos limites do Ermeiro. Duas semanas antes da guerra, no Domingo de
Ramos, as coisas aqueceram.
«Juntámos duas centenas de pessoas aqui
destas aldeias e os donos da empresa chamaram a GNR», lembra António Morais.
«Quando eles chegaram já tínhamos dado cabo de uns bons 50 hectares de
eucaliptal.» Nesse dia não houve confrontos, porque o povo fugiu. Mas
anunciaram a alto e bom som que voltariam depois da Páscoa.
Esse ataque tinha feito notícia no Jornal
de Notícias e trazido uma mão-cheia de jornalistas à terra,
nomeadamente Miguel Sousa Tavares, da RTP. «Percebi que as coisas estavam a
tornar-se muito grandes e foi então que contactei a Quercus. Precisávamos de
ajuda.»
A
31 de março de 1989 o povo de Valpaços invadiu uma quinta no vale do Lila para
arrancar os 200 hectares de eucalipto que a Soporcel tinha plantado na região.
[Arquivo JN]
Do outro lado da linha atendeu Serafim
Riem, que dirigia o núcleo do Porto da organização ambientalista. O ecologista
partiu imediatamente para o terreno. Nesses dias ouviriam do parlamento em
Lisboa várias palavras de solidariedade. Sobretudo do PCP, d’Os Verdes e de um
jovem deputado socialista chamado José Sócrates.
Agora não valia a pena esconder mais
nada. A 31 de março de 1989, domingo depois da Páscoa, o povo juntar-se-ia todo
na Veiga do Lila para dar cabo do eucaliptal que restasse. A aldeia enchera-se
de jornalistas, havia até um helicóptero a cobrir os acontecimentos do ar.
A direcção nacional da Quercus
demarcar-se-ia da organização dos protestos através de um comunicado, mas os
núcleos do Porto e Bragança encheriam cada um o seu autocarro de ambientalistas
carregados de cartazes. Às duas da tarde o sino começou a tocar a rebate. Oito
centenas de vozes entoavam «oliveiras sim, eucaliptos não» e largaram por um
caminho de terra batida para a quinta do Ermeiro.
NUMA HORA, FORAM ARRANCADOS
180 HECTARES DE PEQUENAS ÁRVORES. «ALGUNS GOZAVAM COM OS AGENTES NA CARA E
LEVARAM UMAS BASTONADAS», RECORDA NATÁLIA ESTEVES.
Não era preciso usar enxadas nem
sacholas, os eucaliptos tinham sido plantados há pouco tempo e arrancavam-se
com as mãos. A polícia tentava fazer uma linha de defesa, mas duas centenas de
agentes não chegavam para aquela gente toda.
Numa hora, foram arrancados 180 hectares
de pequenas árvores. «Alguns gozavam com os agentes na cara e levaram umas
bastonadas das boas», recorda Natália Esteves. Os que eram de perto diziam-lhes
assim: «Tendes razão, por isso vamos fingir que não vemos.» Viravam as costas e
o povo ia subindo o terreno.
Num instante, o casario da quinta
tornava-se no último reduto da investida. Uma dezena de guardas saíram a
cavalo, era demonstração de força mas não surtiu resultado. A Soporcel tinha
construído socalcos para plantar os eucaliptos e, agora, os animais não
conseguiam descê-los.
«O povo ia atirando pedras aos guardas,
houve um que acertou no cavalo e mandou-o abaixo», diz João Morais. Foi nesse
momento que entrou em campo o corpo de intervenção, disposto a levar toda a
gente pela frente. «Aí as coisas podiam ter descambado definitivamente.»
Todos por um
A guarda especializada avançava agora
colina abaixo com escudos e capacetes. José Oliveira, um agricultor da pequena
aldeia de Émeres, tentou escapar pela lateral, mas foi logo caçado pela guarda.
No bolso trazia um revólver e foi isso que o tramou. «Levaram-no logo detido
para dentro do jipe por posse de arma ilegal», conta agora a sua viúva, Ester.
Aquela detenção marcaria o início do fim
da guerra. «As pessoas tinham recuado por causa do corpo de intervenção, mas
quando se aperceberam que um dos nossos estava preso começaram a gritar que não
arredariam pé enquanto ele não fosse solto», diz João Morais. Ester anui, «foi
o vale inteiro que salvou o meu homem.» Agora já não havia pedras, havia
gritos. Que libertassem o tio Zé e rápido.
Ester
Oliveira viu o marido, José Oliveira, ser detido durante os confrontos por
posse de arma ilegal. «Foi o povo que o salvou por dizer que não arredava pé
enquanto ele não fosse libertado.»
Serafim Reim, o homem da Quercus, é que
foi lá negociar a libertação com os guardas. Sobravam menos de 20 hectares de
eucalipto, o povo deixá-los-ia em paz se soltassem o velhote. Uma hora depois,
houve consenso. Identificaram José Oliveira, caçaram-lhe a arma e mais tarde
levaram-no a tribunal, mas naquele dia saiu pelo seu pé para os braços da
mulher, e daí para casa.
António Morais, Natália Esteves, João
Sousa e mais uma dezena de organizadores do protesto também seriam chamados à
barra da justiça, um ano depois enfrentaram acusação de invasão de propriedade
privada e foram condenados com pena suspensa.
«Ainda vieram uns engenheiros da
Soporcel dizer que retirariam a queixa se nos comprometêssemos a não destruir
uma nova plantação de eucalipto. Disse-lhes que nem pensar, aqui nunca teríamos
árvores dessas no nosso vale.»
Nas noites seguintes arrancou-se à
socapa quase tudo o que faltava, ficaram apenas meia dúzia de hectares a rodear
o casario da quinta, mais passível de vigia. A Soporcel acabaria por desistir e
vender a propriedade e a família que a comprou, quando ousou confessar a
Natália Esteves que pensavam plantar eucaliptos, foram logo avisados: «Se os
botais nós os arrancamos.»
«A ÚNICA MANEIRA DE TRAVAR
OS INCÊNDIOS EM PORTUGAL É REDUZIR O EUCALIPTAL E SUBSTITUÍ-LO PELA FLORESTA
AUTÓCTONE», DIZ O AMBIENTALISTA SERAFIM RIEM.
Hoje, o Ermeiro é terra de nogueiras e
amendoeiras, oliveiras e pinho. Nunca ardeu. Serafim Riem, o ambientalista da
Quercus, diz que até hoje a guerra do povo de Valpaços é um marco, a maior
ligação jamais vista no país entre o mundo rural e o activismo ecológico.
«A única maneira de travar os incêndios
em Portugal é reduzir drasticamente o eucaliptal e substituí-lo pela floresta
autóctone, que não só tem melhor imunidade ao fogo como gera uma riqueza mais
diversificada para as populações.»
Naquele 31 de março de 1989, o povo
uniu-se e, diz agora, salvou-se. «Nós é que tínhamos razão», repetem uma e
outra vez, repetem todos. Às seis da tarde, depois de José Oliveira ser
libertado, um vale inteiro voltou pelo mesmo caminho e juntou-se no principal
largo de Veiga do Lila. Mataram-se dois borregos e um leitão, abriram-se
presuntos e deitaram-se alheiras à brasa, houve até quem trouxesse uma pipa de
vinho. A festa durou noite dentro e foi maior do que qualquer romaria de Santa
Bárbara.
À volta da fogueira acabariam por
juntar-se também os guardas que horas antes defendiam o Ermeiro. E ali ficaram
a comer e beber, vencedores e vencidos, que em Trás-os-Montes nunca se nega
hospitalidade. Maria João Sousa nunca tinha visto uma coisa daquelas, nem nunca
voltaria a vê-la na sua terra. Foi o 25 de Abril da sua gente. «Há lá coisa
mais bonita do que uma revolução.»