Na noite anterior, o
ex-primeiro-ministro participara no seu programa semanal de comentário na RTP.
Tinha ocorrido um pequeno desastre: José Rodrigues do Santos, que fora
entretanto escolhido para alternar com a jornalista Cristina Esteves na
condução da conversa, rompeu com o registo da sua colega: em vez de se limitar
a lançar temas e escutar acriticamente o que Sócrates debitava, acompanhou os
temas de perguntas e inquietações.
Sócrates criticou amargamente a
“austeridade cega” do governo Passos/Portas. Rodrigues dos Santos deixou-o
falar. Quando Sócrates terminou, agarrou nas suas anotações e provou, com
documentos e registos de intervenções públicas, que também José Sócrates fora,
enquanto chefe do Governo, um defensor das políticas de austeridade.
Surpreendido, José Sócrates foi ao tapete num estúdio de televisão pela
primeira vez na vida.
No dia seguinte, o socialista ligou a
Rodrigues dos Santos. O diálogo foi violento. Acusou o jornalista de lhe ter
montado uma cilada, uma “canalhice”. O pivô tentou pôr água
na fervura: “Olhe, vou-lhe dizer o que as pessoas que o senhor
conhece disseram sobre a entrevista: ‘o Zé Rodrigues dos Santos é um cabrão,
fez isto e fez aquilo, e tu aguentaste-te muito bem, tiveste calma e deste
grandes respostas. Tu é que ficaste a ganhar.’ Disseram-lhe ou não lhe disseram
isso?”
Sócrates não negou, mas já estava mais
à frente. Queria saber se aquele registo era para manter em futuros programas.
O pivô disse-lhe o óbvio: não estava disponível para fazer concessões. A dada
altura, Sócrates recordou-lhe que com Cristina Esteves não era assim. Rodrigues
dos Santos não se comoveu: “O senhor acha-me com cara de ter tempo a perder
para ouvir políticos a aldrabarem as pessoas e a venderem a banha da cobra?
Tenho coisas mais úteis para fazer com o meu tempo.”
A tese do pivô da RTP era que Sócrates
não era um comentador; era um político – e os políticos devem ser confrontados
com o seu passado e as suas contradições. Entretanto, muito mudou: Sócrates foi
preso e libertado, o governo é outro, os protagonistas também. Há, porém, pelo
menos duas circunstâncias que permanecem inertes.
1) os políticos ainda não se livraram da tentação quase libidinosa de pressionar jornalistas – sobretudo os da RTP;2) José Rodrigues dos Santos permanece implacável na defesa da sua independência, doa a quem doer.
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