Escritório de Adriana
Ancelmo, no Centro do Rio - Divulgação
por Chico Otavio / Daniel Biasetto
·
RIO
— Antes de sair pela última vez do escritório de Adriana Ancelmo, demitida após
dez anos de trabalho, a secretária Michele Thomaz Pinto tomou o cuidado de
guardar na bolsa um caderninho, onde anotava tudo o que fazia, e um pendrive
carregado de dados. Enquanto se despedia da ex-chefe e do advogado Thiago Aragão,
sócio do escritório, deixou a bolsa sobre a mesa. Em seguida, recolheu-a e
saiu. Já na portaria do prédio, o Edifício Bozano Simonsen, na Avenida Rio
Branco 138, no Centro do Rio, abriu a bolsa outra vez e descobriu que o
caderninho e o pendrive haviam desaparecido.
Da
década vivida na mesa em frente à sala da mulher do ex-governador Sérgio
Cabral, restaram basicamente a memória e alguma informação salva no WhatsApp.
Até o celular, um iPhone, teve a memória apagada por alguém, remotamente, horas
após a demissão. Na semana passada, ao ser acusada de roubo e fraude por
Adriana Ancelmo, Michele teve de recorrer à memória para defender-se.
Testemunha-chave de entregas regulares de propina ao escritório, em remessas
que iam de R$ 200 mil a R$ 300 mil semanais, a ex-secretária garantiu que o seu
papel era receber o entregador, Luiz Carlos Bezerra, contar o dinheiro e pagar
as despesas de Adriana. O volume era tão grande que a chefe, segundo Michele,
perdia a noção do que pagava.
—
Estão tentando atacar a minha imagem para desmentir o que fizeram de errado —
diz ela.
Em
depoimento ao juiz Sergio Moro, Adriana disse que demitiu Michele, em novembro
de 2015, depois de saber, pela gerente de sua conta bancária, que a secretária
usava os seus cheques para fazer pagamentos desconhecidos. Também a acusou de
não recolher o INSS dos funcionários do escritório por um ano e de carregar
indevidamente talonários seus, assinados, e quatro cartões de crédito
desbloqueados. Michele não nega. Andava de fato com os talonários e com dois
cartões de crédito — e não quatro — na bolsa, mas tudo por ordem da chefe, que
a obrigava periodicamente a pagar as suas despesas pessoais na agência do Itaú
na Rua Olegário Maciel, na Barra, onde a ex-primeira-dama tinha uma conta.
Michele,
que trabalhou no escritório de 2005 a 2015, disse que o jeito áspero de Adriana
Ancelmo, sempre implacável quando a secretária não lhe agradava, a fazia
sentir-se como a personagem Andrea “Andy” Sachs (Anne Hathaway) do filme “O
diabo veste Prada” — uma aspirante a jornalista que consegue emprego como
secretária da editora de moda novaiorquina Miranda Priestly (Meryl Streep) e
acaba tiranizada pela chefe durona. Adriana, segundo ela, frequentava o local
de duas a três vezes por semana. A ex-primeira-dama ocupava uma das três salas
em frente à mesa de Michele, que dividia o espaço com a então ajudante de ordem
de Adriana, coronel Fernanda, quando a chefe estava presente. Como as salas
eram de vidro com persianas, a secretária tudo via.
De
sua mesa, por exemplo, Michele observava Adriana receber, frequentemente, uma
funcionária da H.Stern levando uma bolsa preta. Um segurança da joalheria
sempre acompanhava a vendedora, mas não entrava na sala.
Nos
sete primeiros anos, conta ela, a rotina era normal. Do início como assistente
administrativa, Michele saltou para o cargo de secretária excutiva e logo virou
uma funcionária de confiança, a quem Adriana delegou a gestão financeira do
escritório e o pagamento das despesas pessoais. Apesar do azedume da chefe,
dava para levar. O clima, porém, ficou mais pesado a partir de 2013, quando
começaram as visitas regulares de Luiz Carlos Bezerra, um dos operadores de
Cabral, sempre com a mochila.
As
aparições de Bezerra (que está preso), suspeita a ex-secretária, coincidem com
o momento em que Cabral deixa de usar sozinho o dinheiro de propina e passa a
recorrer à mulher, para ela pagar parte dos gastos. O dinheiro entregue pelo
operador, disse Michele, servia para pagar os 17 funcionários pessoais do casal
(das residências do Leblon e de Mangaratiba), os oito funcionários do
escritório, a bonificação dos advogados e contas de Adriana, como taxas de
condomínio, incluindo dois apartamentos na Rua Prudente de Morais, em Ipanema,
mensalidade da escola dos dois filhos e boletos diversos, como os da Sky e da
NET.
A
secretária Michele Thomaz Pinto trabalhou dez anos com Adriana Ancelmo -
PROPINA ERA CHAMADA DE BOMBOM
Michele
era avisada com antecedência das visitas de Bezerra pela secretária de Cabral,
Sônia. Elas usavam o aplicativo Wickr, que deleta automaticamente a mensagem
enviada. Com a entrega da mochila, a secretária auxiliava um dos sócios de
Adriana, Thiago Aragão, a contar o dinheiro — notas de R$ 100 e de R$ 50 — na
sala de reuniões. Bezerra, sempre apressado, nunca falava em dinheiro. Preferia
usar expressões como “bombom”, “brigadeiro” ou “encomenda” para se referir ao
conteúdo da mochila. No início, ele aguardava a contagem no escritório. Com o
passar do tempo, saía e preferia receber uma mensagem atestando o valor
entregue.
Depois
da contagem, o dinheiro era guardado em cofre na sala de Aragão, recorda-se
Michele. Ela desconfia de que a divisão das despesas entre Cabral e Adriana
teve o objetivo de esquentar a propina. As suspeitas cresceram quando a mulher
do ex-governador passou a também honrar a folha de pagamento da rede de
restaurantes Manekineko. Seu proprietário, cunhado de Aragão, mandava todo mês a
planilha de pagamento, com o nome, o valor e a conta de cada funcionário, no
valor total de R$ 200 mil. Michele, então, recebia a quantia em dinheiro,
atravessava a rua e a entregava para a gerente de uma agência bancária em
frente ao escritório. Em troca, o Manekineko, segundo ela, emitia nota fiscal
nesse valor em favor do escritório.
Quando
o envolvimento do Manekineko foi divulgado, a rede não quis se manifestar.
Michele
disse que, de tanto viajar ao exterior, principalmente a Londres e a Nova York,
Adriana Ancelmo conseguia comprar com as milhas acumuladas passagem para as
três amigas mais próximas, Ana, Juliette e Simone. Uma das poucas providências
que Adriana gostava de tomar sozinha, disse a secretária, era fazer reservas de
restaurantes e outros programas de viagem.
Michele
acredita que está sendo vítima de uma campanha de desmoralização, pelo fato de
ter revelado as visitas regulares de Bezerra e sua mochila. Ela diz que quis
sair do escritório por iniciativa própria e só foi demitida a seu pedido para
ganhar indenização. Em depoimento às autoridades, Thiago Aragão, que está
preso, contou que tivera um caso com Michele, razão pela qual ela estaria
tentando retaliar. Michele confirma a relação, mas diz que os dois continuaram
amigos depois de terminarem. A ex-secretária se diz assustada e teme sofrer
retaliações.
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